Eliel Vieira
Quando se fala sobre “Milagres” as primeiras associações que nossa mente faz são de manifestações incríveis de autoridade e poder. No caso religioso, milagres quase sempre são tomados como intervenções poderosas de Deus no curso natural da história para fazer valer sua vontade e soberania sobre as contingências do mundo. Seja de forma explícita ou implícita, a associação entre milagre e “poder” existe na teologia e na prática cristã. Deus é poderoso, e milagres são as manifestações do sua autoridade e de seu poder em nosso benefício. Ponto final.
Partindo deste pressuposto, portanto, nada mais normal que a mesma roupagem de “poder” (mais especificamente, poder sobre) juntamente com a roupagem de “autoridade” sejam postas em Jesus sempre que se faça referência aos seus milagres. Jesus tinha autoridade e poder sobre os demônios para expulsá-los; Jesus tinha autoridade e poder sobre Satanás para negá-lo, Jesus tinha autoridade e poder sobre os fariseus para questioná-los, Jesus tinha autoridade e poder sobre a Lei para relê-la.
Lembro-me de uma antiga canção cristã (que recentemente foi regravada pela Bola de Neve) que dizia, “Autoridade e poder, o domínio em suas mãos; Pois o Senhor é rei, o Senhor é rei dos povos!”
Autoridade, poder e domínio, todas as características do “Deus de milagres” dos evangélicos. (Especifico “evangélicos” aqui pois este é o segmento do Cristianismo que mais tem enfatizado estas características divinas.) Como milagres são manifestações de autoridade, poder e domínio, ensina a teologia evangélica triunfalista, Cristo, que realizou muitos milagres, tinha autoridade, tinha poder e tinha domínio.
Agora, existe um aspecto sobre os milagres que é tão importante quanto negligenciado por aqueles que defendem a roupagem triunfalista do milagre. Antes de serem ações de poder, milagres são ações, efeitos ou ocorrências improváveis. Por exemplo, é muito improvável que um cego de nascença simplesmente comece a enxergar depois que uma pessoa passe uma mistura de terra e cuspe em seus olhos (João 9). Se isto aconteceu, então houve um milagre. É muito improvável que uma pessoa morta, sepultada a alguns dias e já fedendo simplesmente saia da sua tumba caminhando quando uma pessoa a chamar do lado de fora (João 11). Se isto aconteceu, então temos um caso de milagre. É muito improvável que sofridos leprosos fossem instantaneamente curados de sua doença quando tocados por uma pessoa (Lucas 17). Se isto aconteceu, temos outro caso de milagres nas mãos.
Mas, tente aplicar este mesmo parâmetro de identificação de milagres a ocorrências comuns do nosso dia a dia. É improvável que a dor de cabeça de uma pessoa simplesmente acabe? Não, isto é bem possível de se acontecer. É improvável que você seja promovido no seu emprego se você se esforçar para tal? Não, isto é possível (e até provável, dependendo do emprego) que isto aconteça.
Nenhuma pessoa exclama “Milagre!” quando vê ações comuns, mesmo que estas sejam “poderosas”. As pessoas exclamam “Milagre!”, na verdade, quando veem ocorrências muito improváveis, quando veem ações que tinham tudo para não acontecer, no fim das contas, acontecendo. Portanto, mais do que manifestações de autoridade, poder sobre e domínio, milagres são manifestações de grandes improbabilidades, de ações impossíveis e fantásticas.
O título deste artigo sugere apresentar o “verdadeiro milagre de Jesus”. Para que você compreenda o verdadeiro milagre de Jesus, no entanto, você precisará compreender antes duas coisas. A primeira eu acredito que você já tenha compreendido: milagres não são necessariamente manifestações de autoridade, poder e domínio; o que torna uma ação um “milagre” é alto grau de improbabilidade que esta ação tem de acontecer.
O segundo ponto que você precisa aprender e compreender é que Jesus não deu a mínima para o que consideramos como “condições necessárias” para um milagre. Jesus não deu a mínima para autoridade, poder sobre e domínio. E não apenas isto, em alguns casos ele pregou contra estas coisas.
Vamos à Bíblia. Quem ofereceu “domínio e autoridade” a Jesus foi Satanás (Mateus 4:8-9), e Jesus recusou. Jesus não negou a Satanás que este tinha mesmo autoridade, domínio e poder sobre as nações da Terra. Jesus simplesmente negou a oferta (Mateus 4:10). Mas, deixe de lado a oferta de Satanás. Jesus (por ser Deus) tinha, na verdade, poder, autoridade e domínio sobre todo o universo, e poderia ter usado todo poder e toda autoridade que lhe era de direito não apenas para convencer os judeus, mas para convencer o mundo inteiro em apenas alguns minutos da mensagem que ele estava pregando. Mas ele não fez isto. Antes, ele preferiu proibir severamente a Pedro e aos demais discípulos que contassem às pessoas que ele era o Messias (Mateus 16:20). Quando os fariseus pediram um sinal dos céus que comprovasse sua autoridade, um sinal que resolveria todos os problemas de Jesus, ele simplesmente se recusou a fazê-lo (Mateus 16:1-4). Mas, mais do que isto, Jesus disse que muitos falsos profetas viriam apresentando sinais e prodígios (Mateus 24:24).
Portanto, não apenas autoridade, poder sobre e domínio não são as coisas mais importantes em relação ao milagre. Tenha em mente, além disto, que Jesus nos proibiu que tomássemos estas coisas como importantes e ele próprio não as tomou como importantes.
Bem, agora posso propor qual foi o verdadeiro milagre de Jesus. Não tem a ver com exercício de autoridade, não tem a ver com exercício de poder sobre outras pessoas, e não tem a ver com exercício de domínio. Na verdade, o grande milagre de Jesus é uma negação a todas estas coisas. O verdadeiro milagre de Jesus é o cumulo de toda improbabilidade, é a ridicularizarão da lógica, é a loucura do Evangelho: a submissão.
Pense comigo. Qual é probabilidade de você, sendo injustiçado, estando com a razão e tendo todos os meios e os recursos para provar que está certo, simplesmente desejar não fazer uso do seu poder e, além disto, se submeter livremente a aqueles que te querem mal, deixando que eles façam com você o que você quiser? A probabilidade disto é ínfima. Agora, qual é a probabilidade do Autor do universo, detentor de todo poder e toda a autoridade nos céus e na Terra, simplesmente se submeter livremente a escárnio, dor e sofrimento, por amor de pessoas que pouco tempo depois o negariam e cuspiriam no seu nome?
Se fosse matematicamente possível eu diria que a probabilidade disto acontecer é menor do que zero, pois dizer que a probabilidade deste evento é zero é pouco. Mas Cristo fez. Sendo Deus, e tendo todo poder e toda autoridade de Deus, ele não tomou por usurpação ser como Deus, ele assumiu a forma humana. Sendo homem, detentor de sabedoria e poderes divinos, pois ainda era Deus, ele se humilhou ainda mais, até morrer. E mesmo perto da morte, tendo todo o direito e poder para aniquilar toda a criação ingrata, ele se humilhou ainda mais (Filipenses 2).
Este é o verdadeiro milagre de Jesus. O milagre da submissão, do amor incondicional, do desprendimento, do “considere os outros superiores a você”, do “prefira eles em honra além de si mesmo”, do “sirva ao invés de ser servido”, do “deseje ser o menor de todos aqui, para que sua recompensa venha dos céus”, do “o dinheiro é a raiz de todos os males”, do “é impossível amar a Deus e as riquezas ao mesmo tempo”.
O verdadeiro milagre de Jesus é uma negação do poder, da autoridade e do domínio e, consequentemente, tudo o que venha a ser relacionado com estas coisas. Jesus negou tudo que, na dor de toda incoerência, a igreja cristã tem buscado com afinco desde que começou a existir. O verdadeiro milagre de Jesus, que é a essência da loucura do Evangelho, é o serviço. O evangelho do “Hoje meu milagre vai chegar”, sinceramente, é uma blasfêmia da pior estirpe!
Eliel Vieira, que não acha que devemos buscar a Deus pelos milagres, mas pelo o que Ele é, e que também acha que esta ganância por milagres já ultrapassou o limite do que pode ser considerável "erro sincero", escreveu para o Genizah