por Zé Luís
Ninguém entendeu quando Dona Gabriela, mulher alta e bela, viúva do pastor Berinaldo, foi a frente da igreja quando o pregador da noite fez um apelo a quem queria se reconciliar no Caminho de Jesus.
Todos sabiam que ela tinha desembestado a aprontar as piores sandices depois da morte do marido. Ela não fez questão nenhuma de ocultar suas bebedeiras, os homens que começou a receber em sua casa – que ficou imunda, e até espiritismo começou a frequentar. Isso desde do dia do repentino infarto, ainda durante o velório, quando comentavam que ela ria alto, exalando um hálito de cachaça, e recusando-se a aceitar cumprimentos dos companheiros de ministério; “Vão para o inferno, raça de cães!” gritou ela, com a voz mole de quem amarga um feliz porre.
Fazia um ano que não era vista na igreja, mas era sabido que naquele dia vinha de um centro espírita, onde os próprios filhos, que não pareciam nada abatidos com aquela situação, sorriam ao comentar sobre o evento.
Trazia uma carta psicografada nas mãos quando aceitou a Jesus diante da congregação: o marido usara um médium para contatá-la e isso parece ter sido o ponto redentor para à reconciliação.
A comoção foi tamanha entre os irmãos que, o então pastor, perguntou se ela queria falar algo à igreja. Ela sorriu maliciosa, e pegou o microfone:
“Deus é Justiça… até hoje, imaginava não haver justiça Nele. Mas hoje Ele usou um homem de fora do arraial de Israel para me mostrar a sua soberana bondade.”
O povo, pentecostal que só, irrompeu em glorificações ao Criador. Ela continuou. Puxou a carta psicografada da bolsa e pôs-se a falar, o que inicialmente, escandalizou muitos ali presentes:
“Cara varoa esposa...
Bom poder falar contigo. Leve meus cumprimentos a liderança do Conselho. O pessoal aqui autorizou o contato. Bom poder exercer meu ministério.
A adaptação aqui no céu está sendo muito rápida, muitos teólogos, teósofos, gente religiosa de todas as idades e denominações.
Não fosse o calor… Imaginei um céu bem mais arejado, quem imaginaria ser tão quente? Sem falar os anjos… imaginava-os mais “angelicais”, são tão avermelhados, com caudas em ponta. Ainda não me adaptei com a forma que eles nos tocam com seu poder: usam uns garfos ungidos. Era capaz de jurar que isso aqui… Bom, não devemos questionar os caminhos do senhor.
Posso dizer que aqui existe muita alegria: ouve-se gargalhadas por todos os cantos, e o cheiro de incenso não é tão suave como imaginei: lembra muito o enxofre…Mas céu é céu, a gente não questiona. Parece bobagem, mas por ser céu, a cor avermelhada predomina mais. Como projetamos as coisas de forma equivocada, não?
Acredita que cheguei a imaginar, no último momento, antes de vir para glória, que as surras dadas em nome da correção divina – por que Jesus corrige a todos a quem ama – poderiam me comprometer em minha estadia na eternidade(como se isso fosse possível). Fiz tudo como deveria: coloquei a igreja em primeiro lugar, e mesmo quando o diabo tentou usar sua boca, pedindo atenção e carinho de homem (homem de deus, diga-se), eu fiquei firme. Só deus sabe o que seria de você e minha prole se não fosse a disciplina que impus de forma tão rígida. Uma necessidade, basta ver em provérbios, tradução João Ferreira de Almeida, revisada.
A influência do inferno não me intimidou quando você começou a insinuar que usaria antidepressivos, alegando que EU era a causa. O diabo é sujo. Tentava denegrir minha vida pastoral. Como isso poderia atingir a imagem de meu ministério!!! Coisas do diabo, coisas do diabo.
Fui um exemplo, e fiz por merecer essa colocação que possuo hoje. Aqui não existem gays, miseráveis, gente de baixa estirpe: só encontro gente de classes altas, com formação, gente realmente sagaz. Gente que governou países, gente que esteve a frente de muitas lutas, gente séria.
Eles não são de muito papo. Também, cheguei agora. Com o tempo, vou entender melhor o céu. Céu é céu e não se deve questionar isso.
Gostaria de escrever mais, mas me foi colocado uns presentes, umas pulseiras, e não me acostumei com o peso (e ainda me aperta muito). Deve ser muito preciosa, já que o anjo vermelho feliz que me colocou gargalhou por horas ao ver meu santo olhar.
Diga aos meus amigos de fé, os líderes da congregação, que continuem neste caminho de entrega às coisas do Reino. O galardão deles está reservado aqui no paraíso.
Pastor Berinaldo
A igreja estava em silêncio, embora alguns jovens abafavam as gargalhadas. Ela sorriu maliciosamente para os meninos, e disse diante da plateia estupefata:
“Agora posso estar com Jesus. Sei que o Berinaldo não está com Ele. Faço qualquer coisa para não ter que encontrar aquele desgraçado nunca mais em quanto eu existir…”
Zé Luís, outro que blogueia pela net, também colabora aqui no Genizah.